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Não queria ser criança

- Tamara

Era um auditório de uns 70 lugares, cheio de seres humanos com uma mão e meia de anos. Falavam, no palco, três meninas de mais ou menos duas décadas sobre experiências vividas há uma e um livro escrito há meia.

Uma das leitoras não entendia como as 3 palestrantes e as 3 crianças do livro podiam ser as mesmas pessoas. Não eram. Sem saber disso, declarou “queria que vocês fossem crianças”.

O ‘Férias na Antártica‘ foi fruto de diários, fotos, desenhos e invenções de meninas que descobriam a península de um continente em que poucos adultos pisaram. Tiveram o privilégio de sentir a monumentalidade e a inércia de geleiras quilométricas, e na apaticidade dessas geleiras, a força do seu próprio movimento. Imprimiram aquele sentimento num livro. Que contraditório. Marcar a sensação de eternidade com uma tatuagem no mercado editorial, um corpo que não é delas, até porque este ainda era (é) provisório.

As consequências disso foram provadas logo. Viver implica estar eternamente em mudança, revendo coisas ditas, desconstruindo pensamentos e redigerindo a memória. Como eu poderia falar sobre um modo de ver o mundo que não me pertencia mais? Revi, desconstruí, redigerí, cresci. E as 3 meninas escritas perderam o corpo de gente para o de papel – e pensamento.

Negar o crescimento é recusar a abertura de portas, o levantamento de pontes, construção de eclusas – aqueles “elevadores” de barcos num canal. Aos poucos fui saindo, atravessando e subindo, e passei por lugares em que as tais meninas nunca estiveram. Apropriei-me delas para entender as experiências novas, roubei seus conhecimentos para entender os de outros, e rompi o movimento de encenação do passado pra atar a conciliação ao mesmo. Por isso não queria ser criança outra vez. Ainda há muito pra aprender crescendo.

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