Jurumirim
- Tamara
Éramos duas. Marininha e eu, sentadas no convés do Paratii2 com as pernas penduradas pra fora, olhando, ancoradas, a baía do Jurumirim.
Naquela mesma baía, muitas vezes assisti meu pai indo ou vindo de algum lugar feito de história malucas, animais estranhos e quase-desastres.
Era um dia de sol. E, não sei por que motivo, não aceitaram ao nosso insistente pedido de carona até a praia. Nossas perninhas balançavam em cima do bote de borracha amarelo, indo e vindo com a ondulação da água.
Na época, com 9 e 11 anos, eu e minha irmã brincávamos de tentar ligar o bote. A partida era dada puxando uma corda, e sofríamos contra os 50 cavalos que se uniam contra duas meninas num cabo de guerra quase desleal.
Não tinha ninguém olhando. Flupt flupt entramos as duas no botinho, soltamos os cabos e dei a partida. Nada. Ela tentou também, sem sucesso. Pegamos os remos e começamos a travessia. Mais ou menos no meio do caminho eu fui tentar de novo… e foi! Acelerei, comemorando nossa enfim liberdade! Demos uma volta, saindo da baía com velocidade o suficiente para planar.
O vento nos cabelos, o barulho do acelerador, o mesmo bote que usamos em tantos desembarques no gelo. Sem adultos, sem restrições, sem documento, aquele momento podia ter durado pra sempre não fosse o repentino vôo de dois pequenos corpos pro chão, um súbito silêncio no motor e a certeza de que estávamos encrencadas.
Não me lembro o que se sucedeu. Imagino que escutamos um sermão, nos sentimos culpadas pela hélice entortada e agradecemos à sorte de não ter problemas maiores.
Mas o que poderia ter sido um trauma tornou-se a certeza de que, mesmo pequenas, temos força e inteligência o suficiente para ir atrás do que queremos, quando queremos.